Licenciatura em Biblioteconomia: um campo de atuação
A Coordenadora do curso de licenciatura em Biblioteconomia Daniela Spudeit, gentilmente nos cedeu uma entrevista para falar sobre o curso de Licenciatura em Biblioteconomia da UNIRIO. Mais um campo de atuação para os interessados nesta área. Na minha opinião a formação discente é tão importante quanto a formação profissional. Precisamos dar mais atenção e valor aos nossos formadores!
1 – Qual é o objetivo do curso de licenciatura de Biblioteconomia?
De acordo com o projeto pedagógico do curso o objetivo do curso é promover uma formação discente de qualidade por meio de habilidades humanas conceituais, técnicas e profissionais com vistas ao ensino da Biblioteconomia para o âmbito técnico profissional.
2 – Quais as principais diferenças entre o bacharelado e a licenciatura?
As principais diferenças estão relacionadas ao foco, o local de atuação e a nomenclatura. O foco da Licenciatura é o ensino por isso esses profissionais atuarão diretamente com formação e capacitação. O foco do Bacharelado é o mercado de trabalho, por isso os bacharéis em Biblioteconomia podem atuar em ambientes e unidades de informação. Mas existem outras diferenças como a nomenclatura, bibliotecário é o sujeito formado pelo curso de Bacharel em Biblioteconomia. Aquele formado em Licenciatura é licenciado em Biblioteconomia, também podendo ser chamado de professor de Biblioteconomia. É bom esclarecer que pelo Art. 6 da Lei 4.084 de 1962, o bacharel em Biblioteconomia pode atuar com ensino, porque naquela época ainda não existia a Licenciatura, entretanto, o bacharel não tem formação pedagógica ao longo do curso de graduação para desempenhar essa atribuição.
3 – Como surgiu a ideia na UNIRIO de reformular o curso de licenciatura em Biblioteconomia?
Pela demanda e contexto social que existia na época impulsionada por três fatores que demarcaram a decisão da Unirio. 1) Em 2009, o Sistema Conselho Federal de Biblioteconomia/Conselhos Regionais de Biblioteconomia, lançou no ano de 2009 o “Programa Mobilizador Biblioteca Escolar Construção de uma Rede de Informação para o Ensino Público” e isso demandava a formação de pessoas para atuar como auxiliares e técnicos nas bibliotecas escolares. 2) O Estado do Rio de Janeiro era um dos que não possuía escolas técnicas que formavam técnicos em Biblioteconomia e necessitava de professores habilitados para formar pessoas qualificadas para essa função e atuar em diferentes tipos de unidades e ambientes de informação. Entre seus cursos técnicos, o MEC tinha lançado o Curso Técnico em Biblioteconomia e por isso havia necessidade de professores aptos para ensinar nesses cursos. 3) A Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro possuía o “Programa Escolas do Amanhã” para melhorar o desempenho dos alunos de 150 Escolas com baixo IDEB, o qual é apoiado pelo MEC, para o desenvolvimento deste programa seria necessário termos licenciados em Biblioteconomia que dominassem os saberes e fazeres biblioteconômicos aliados ao corpus de conhecimento didático-pedagógico para contribuir com o sucesso desse programa. Desta forma, em 2009 construiu-se o projeto pedagógico, em 2010 iniciou a primeira turma e o curso foi reconhecido pelo MEC em 2014. Além dessas citadas, hoje existem outras demandas devido a aprovação da Lei 12.244/2010 onde os Licenciados tem papel fundamental na capacitação de auxiliares e técnicos para ajudar os bibliotecários na organização das bibliotecas escolares, podendo atuar também na consultoria de projetos e programas educacionais, além de seguir pela docência no ensino superior, inclusive na própria formação de bacharéis em Biblioteconomia e em outros tipos de cursos.
4 – As profissões de técnico e licenciatura em biblioteconomia já foram regulamentadas?
Ambas estão tramitando. Quem está à frente disso é o Conselho Federal de Biblioteconomia.
5 – Existe espaço para atuação de todos os profissionais (licenciatura, bacharelado e técnico em Biblioteconomia)?
Com certeza. A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) é bem clara neste aspecto elencando as atribuições de cada um, pois elas não se opõem apenas se complementam. Como a Licenciatura iniciou somente em 2010 e a CBO foi criada em 2002, não aparece na CBO as atribuições da Licenciatura em Biblioteconomia, mas no projeto pedagógico do curso elas estão muito claras e cada profissional tem habilidades e conhecimentos específicos. É extremamente saudável a existência e formação desses profissionais para engrandecer, fortalecer e legitimar a Biblioteconomia no nosso país, não somente para dar mais visibilidade às profissões e aos profissionais formados, como também para contribuir para a melhoria da qualidade de ensino nas escolas e nas instituições de pesquisa no Brasil. A Licenciatura em Biblioteconomia existe em vários outros países como Portugal e México, mas no Brasil, a UNIRIO hoje é a única universidade que possui o curso o que agrega bastante valor e diferencial aos profissionais que se formarão.
6 – Foi feito algum estudo do mercado de trabalho para bibliotecários licenciados lecionarem?
Sim, foi feita uma análise do contexto social, político e educacional na época pela equipe envolvida na reformulação do curso.
7 – Por que a UNIRIO é a única universidade no momento que possui o curso de licenciatura?
O curso já existiu na UNIRIO entre 1986 e 1991, mas foi interrompido por uma série de fatores estruturais da própria universidade. Também já teve o curso em outras faculdades privadas, como UNIJUI e UNICOR, que encerraram o curso também. Na UNIRIO ele foi reformulado em 2009, pois passou a existir uma demanda da sociedade e do mercado, assim como ocorre com toda profissão. Na minha dissertação de mestrado pesquisei sobre isso e é possível verificar como se forma uma profissão, pois ela nasce a partir de uma necessidade da sociedade onde vai se construindo e se legitimando ao longo do tempo. Isso ocorreu com Bacharelado em Biblioteconomia que existe há mais de 100 anos no Brasil e está até hoje se consolidando e abrindo espaços de atuação, buscando visibilidade para a profissão e valorização da área. Com a Licenciatura em Biblioteconomia ocorre o mesmo, assim como em qualquer outra profissão, isso é muito bem explicado por pesquisadores internacionais como Andrew Abbott, Eliot Freidson, Marli Diniz e Maria Lourdes Rodrigues da área de Sociologia das Profissões.
8 – A lei Nº 12.244 de 24 de Maio de 2010 cita que as instituições de ensino públicas e privadas de todos os sistemas de ensino do país contarão com bibliotecas. Os três campos de atuação (licenciatura, bacharelado e técnico em Biblioteconomia) serão beneficiados?
Com certeza, é essa a ideia. Até porque a quantidade atual de bibliotecários formados ativos registrados nos Conselhos Regionais de Biblioteconomia não atende a demanda necessária para as 188.673 escolas existentes no país de acordo com Censo do MEC. Dessas, houve um aumento de apenas 2% na quantidade de bibliotecas criadas desde que a Lei 12.244/2010 foi aprovada até 2014 conforme dados do Relatório Todos pela Educação. A proposta dos cursos técnicos de bibliotecas do MEC e da Licenciatura em Biblioteconomia é justamente de auxiliar os bibliotecários para atender essa Lei e melhorar os processos técnicos e gerenciais das bibliotecas e outras unidades de informação. Atualmente, pessoas sem qualificação nenhuma em Biblioteconomia estão lotadas em bibliotecas escolares e a lei 12.244/2010 vem buscar mudar essa realidade, para isso torna-se necessário um trabalho conjunto e cooperativo entre técnicos, licenciados e bacharéis em Biblioteconomia.
9 – Quais são os desafios e as suas expectativas quanto ao futuro do curso de licenciatura?
Os desafios são vários como comentei aqui nas respostas de algumas questões, mas creio que temos algumas etapas para cumprir que são necessárias para se construir uma profissão. Assim como ocorre com qualquer outro curso e profissão nova, a Licenciatura em Biblioteconomia precisa crescer no sentido de ser reconhecida, tanto pelo Conselho Federal de Biblioteconomia como demais órgãos, deve ter produções científicas e eventos para discutir a formação e atuação desses profissionais, é necessário buscar parcerias com instituições para criação de cursos técnicos no Estado do Rio de Janeiro (em outros estados existem vários cursos como o do IFRS, por exemplo, que completou 10 anos de criação), ter entidades de classe que busquem capacitar os profissionais e tracem estratégias para aberturas de concursos, vagas de trabalho e apoio técnico para os profissionais empreenderem dentro da área. Existem alguns tabus e mitos também que precisam ser contornados já que muitos professores de Biblioteconomia e também bibliotecários desconhecem a proposta do curso e se sentem ameaçados achando que os licenciados tomarão seus espaços de trabalho. Se todos lerem o projeto pedagógico do curso verão qual o objetivo e vantagens do mesmo para engrandecer a Biblioteconomia brasileira. Por isso, minhas expectativas são as melhores possíveis, visto que o próprio ensino nos cursos de bacharelado em Biblioteconomia do Brasil agregará maior valor quando houver professores com Licenciatura em Biblioteconomia (com formação em mestrado e doutorado) atuando na formação dos bibliotecários, em cursos de educação continuada e também em cursos de pós-graduação.
Agradecimentos a Rodrigo A. Señorans que ajudou o Portal do Bibliotecário na elaboração desta entrevista.