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setembro 29, 2016

O bibliotecário da presidente: livraria

o bibliotecario da presidente

Para ser bem sincero, não chegamos a ir na livraria do Zeca naquele dia. Aquele sentimento de que tinha rolado alguma coisa a mais entre a Fernanda e eu se confirmou quando cheguei em casa.

Eu moro na Asa Norte aqui em Brasília, perto da Universidade de Brasília – UnB, na quadra 410. Quando cheguei no meu prédio, Fernanda já estava lá embaixo me esperando. De calça jeans rasgada, camisa do Cartola, óculos escuro de aros redondos e um cigarro na mão. Não tinha notado que ela fumava. Lembro de ter achado ela particularmente bonita.

Subimos os 3 saltos de escadas, eu estava falando pelos cotovelos sobre a breve conversa com a presidenta e sobre o trabalho que eu ia fazer. Fernanda só ouvia. Chegamos! “Mi casa es su casa”!

– Fê, senta ai no sofá, fica a vontade. Vou tomar um banho e já volto.

– Poxa, nem chama!

– Hã?

– Brincadeira!

– Engraçadinha!

Após alguns minutos, saí do banheiro ainda de toalha na cintura. No caminho para meu quarto, vi que Fernanda estava dando uma olhada na minha coleção de CDs. Não disse nada, fui para o quarto me vestir e quando voltei para sala, Fernanda estava colocando um disco do Willie Nelson.

– Posso ouvir?

– Claro!

– Não sabia que você gostava de country americano.

– Não gosto de música nova, tudo que eu ouço é da época em que nem era nascida!

– Realmente, as coisas do seu tempo são muito ruins!

Ficamos rindo e falando mal dos nossos gosto musicais. Precisávamos almoçar, mas senti que a atmosfera estava muito boa para comer fora. Resolvi fazer uma comida pra gente. Fernanda sugeriu que abríssemos um vinho. Pedi para ela escolher um na dispensa.

– Que tal esse? Edna Valley, Pinot Noir?

– Ótima escolha e vai combinar com a comida que estou preparando.

– O que você vai fazer? Quer ajuda?

– Fica tranquila, sou chef nas horas vagas!

– Ah! Tá bom! Fala o que você vai fazer!

– Lombo suíno ao molho de frutas vermelhas.

– Uau! Sério que você vai fazer isso?

– Depois que me formei, fiquei um tempo desempregado, trabalhei de ajudante de cozinha pra pagar as contas.

– Que legal! Depois quero ouvir essa história direito!

Passamos a tarde toda conversando, comendo e bebendo. Esqueci completamente de ir na livraria. Fernanda também não lembrou. Descemos pra dar uma volta na quadra. E ai sim conversamos sobre trabalho. Contei as ideias que tive e perguntei a opinião dela. E ela foi bem sincera ao dizer que eu precisava me atualizar o mais rápido possível, ela falou que a presidenta é uma pessoa muito exigente e que eu não poderia demonstrar insegurança.

Fiquei ainda mais nervoso ao saber disso, mas já que estávamos no tópico trabalho, pedi pra ver as fotos que Fernanda tinha tirado da Dilma no dia anterior. Fiquei impressionado com o trabalho dela, não era nada jornalístico, como eu pensava que seria, pelo contrário, cada foto parecia uma obra de arte. Fiquei apaixonado pela veia artística da Fernanda.

Tivemos uma tarde muito produtiva, exceto pelo fato de não termos feito o que havíamos combinado. Rimos disso e antes de ir embora Fernanda perguntou o que ela precisaria fazer pra eu perceber que ela estava interessada em mim. Achei que ela estivesse brincando de novo, sempre fui muito lento pra esse tipo de coisa. Ela riu e disse que dessa vez era sério.

Fiquei sem reação. E por uns segundos, que pareceram uma eternidade pra mim, ficamos em silêncio. Ela riu e me beijou. Eu senti o lábio macio dela na minha boca e senti algo que desde a faculdade eu não sentia. Um sentimento intenso que alguns chamam de paixão. Ficamos um bom tempo nos beijando. Quando interrompemos o beijo e nos olhamos começamos a rir.

Estávamos bobos, parecia um encontro que estava destinado a acontecer. Mas como nunca acreditei muito nesse tipo de romantismo, ignorei essa impressão. Antes de nos despedir nos beijamos novamente e fui deixar ela no carro.

– Que romântico você vindo me deixar no carro.

– Pra você o serviço é completo!

– É, mas faltou a sobremesa!

– Engraçadinha! Dá próxima vez você é quem vai cozinhar.

– Você vai se decepcionar hein!

Já era noite quando Fernanda foi embora. Fiquei horas sem ver meu celular, quando abri tinham várias ligações não atendidas e mensagens. Zeca havia me ligado. Deve ter sido pra perguntar o que aconteceu, tinha dito pra ele que ia passar lá e ia levar um amiga. Como bom solteiro, Zeca ficou todo interessado e disse brincando que se ela fosse bonita não ia cobrar os livros que eu ia levar. Mas fiz questão de deixar claro pra ele que a disputa já tinha começado e que ele já estava em desvantagem.

Zeca levou numa boa, disse pra eu passar lá quando puder. Aproveitei pra fazer algumas encomendas de livros sobre os assuntos que eu ia precisar estudar. Não ia ignorar o conselho da Fernanda e estava decidido a causar uma boa primeira impressão do meu trabalho para presidenta. Alguns livros Zeca já tinha para pronta entrega e outros ele pediu um prazo de uma semana mais ou menos pra conseguir. Todo bibliotecário deveria ser amigo de um livreiro. Nesse caso era ainda melhor, pois Zeca também era bibliotecário e muitas vezes fazia ótimas indicações só perguntando o assunto de interesse aos clientes. Ótimo profissional! O admirava muito por ser inovador e continuar um negócio em um universo onde ele competia com a Amazon, Livraria Cultura, Saraiva e outras grandes do mercado

Terminei meu dia tomando uma segunda garrafa de vinho e lendo um livro sobre redes sociais chamado “Manual de Marketing em Mídias Sociais” de Darren Barefoot. O livro prometia ensinar como monitorar discussões e medir resultados, entre outras coisas de marketing digital. Tudo o que eu precisava saber para começar a analisar as informações que saiam sobre a Dilma.

Estava claro pra mim que catalogação, rede de bibliotecas, atendimento ao público, estudo de usuários e aquisição de livros estavam no passado. Eu precisava aprender muita coisa e rápido. No dia seguinte teria uma reunião com o Cláudio, preparei uma apresentação informal sobre o livro que tinha acabado de ler. Precisava mostrar o que eu estava planejando pra mostrar pra presidente. Se eu tivesse a aprovação dele ia levar o trabalho adiante.

Já era quase meia noite quando recebi uma ligação da Fernanda. Ela estava animada porque ia viajar com a Dilma para uma tour pelo Brasil no dia seguinte. Como a presidenta estava em campanha ela, além de muito ocupada estava viajando muito. Desejei boa viagem e exigi um encontro gastronômico quando ela voltasse. Fernanda riu e prometeu fazer uma refeição completa, inclusive com sobremesa.

Fui tentar dormir mas tive uma crise de insônia. A cabeça estava fritando com ideias. Como armazenar os dados, como demonstrar os números, como fazer a análise das informações e transformar tudo aquilo em conhecimento pra presidenta. Não consegui dormir naquela noite. Não sabia se pensava na Fernanda ou no desafio que estava tendo no trabalho. Parecia que estava tudo acontecendo ao mesmo tempo.