Segunda-feira, no dia 7 de julho de 2014, as 8 horas da manhã, minha aventura como bibliotecário da presidente teve seu início no Palácio da Alvorada. Cláudio deixou bem claro que eu não podia me atrasar. Cheguei um pouco antes para garantir. Já com o meu crachá, passei pela portaria, cumprimentei os soldados que não responderam. Protocolo militar pensei. Depois descobri que era só antipatia mesmo.
Ao entrar na biblioteca, Dilma já estava me esperando. Antes mesmo de cumprimenta-la recebi um “Bom dia!” em alto e bom som. Respondi e sentei na frente da presidente para receber as ordens do dia.
-Valentim, eu quero que você faça o seguinte: monitore tudo que sair sobre mim nas redes sociais, portais de notícias e blogs. Quero que você monitore os comentários e faça uma análise técnica de todas essas informações e me apresente relatórios semanais e mensais. Nós vamos nos reunir quatro vezes por semana para você me apresentar esses relatórios.
– Sem problemas. Já existe um modelo ou eu posso apresentar o meu?
– Fale com o Cláudio sobre isso. Preciso ir, bom trabalho!
E foi assim, depois dessa reunião que durou cerca de 2 minutos, que meu dia começara. Dilma se retirou da biblioteca. Minha primeira reação foi pensar em como eu poderia fazer essa análise técnica da melhor forma possível. Logo de cara veio algumas ideias na minha cabeça como inteligência competitiva, taxonomia, ontologia e indexação. Em segundo lugar, liguei para o Cláudio para contar o que tinha acabado de discutir com a presidente e pedir orientações.
Falando com Cláudio pelo telefone, pude entender melhor o contexto da situação. Ele me perguntou:
– Você faz ideia do por que dessa demanda da presidente?
– A presidente está tentando se reeleger, por isso ela precisa dessas informações.
– Exatamente! Você vai ter que propor um modelo relatório e ela vai moldando-o de acordo com as necessidades dela. Mostre-me seu primeiro relatório antes de apresentá-lo para eu dar um feedback.
– Um abraço.
Desliguei o telefone e comecei a fritar de tantas ideias. Estava a beira de uma crise de ansiedade. Fiquei com medo de não conseguir entregar os relatórios ou de entregar e a presidente considerar insatisfatório. Mesmo com toda essa insegurança decidi começar o trabalho. Tentei pensar em uma metodologia, mas confesso que a primeira coisa que eu fiz foi colocar Dilma Rousseff entre aspas no Google.
Lembro que a primeira notícia que apareceu era sobre uma pesquisa de boca de urna do ibope, que mostrava que a Dilma estava com 38% das intenções de voto e em segundo lugar estava o Aécio, com 23%. Na hora pensei, não é isso que ela quer, provavelmente ela tem uma equipe gigante trabalhando esses números com ela. Fui no Facebook, Twitter, Youtube e nos blogs de alguns colunistas. Milhares de comentários e notícias, como eu ia organizar toda aquela massa de informação em um formato que agradasse a presidente?
Fui estudar aquelas ideias que eu tive logo após a reunião com a presidente. Como a Ontologia podia me ajudar? Comecei pela Wikipédia:
Ontologia (do grego ontos “ente” e logoi, “ciência do ser”) é a parte da metafísica que trata da natureza, realidade e existência dos entes. A ontologia trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres que gosta de estudar. A aparição do termo data do século XVII, e corresponde à divisão que Christian Wolff realizou quanto à metafísica, seccionando-a em metafísica geral (ontologia) e as especiais (Cosmologia Racional, Psicologia Racional e Teologia Racional). Embora haja uma especificação quanto ao uso do termo, a filosofia Contemporânea entende que Metafísica e Ontologia são, na maior parte das vezes, sinônimos, muito embora a metafísica seja o estudo do ser e dos seus princípios gerais e primeiros, sendo portanto, mais ampla que o escopo da ontologia.
Ótimo, o “ser” a ser estudado era a presidente Dilma Rousseff. Mas isso ainda não me ajudava, então continuei lendo:
O conceito de ontologia originou-se na Grécia Antiga, tendo ocupado as mentes de Platão, Aristóteles e Parmênides. O mais antigo registro da palavra ontologia é o latino ontologia, que surgiu em 1606, no trabalho Ogdoas Scholastica, de Jacob Loard (Lorhardus), e em 1613 no Lexicon philosophicum, de Rudolf Göckel. Por ontologia, portanto, entenda-se o estudo do ser enquanto ser, suas categorias, princípios e essência.
Estava melhorando, como bibliotecário, organização da informação por categorias fazia muito sentido pra mim. Eu poderia dividir o assunto “Dilma Rousseff” por categorias. Fui ler alguns artigos científicos e encontrei uma definição que acabou me ajudando muito dali em diante:
O objeto de estudo da ontologia é o estudo das categorias de coisas que existem ou podem existir em algum domínio. O produto deste estudo, conhecido como ontologia, é um catálogo dos tipos de coisas que se admite existir em um domínio do interesse D da perspectiva de uma pessoa que use uma língua L com a finalidade de falar sobre D. Os tipos na ontologia representam os predicados, os sentidos da palavra [termo], ou os tipos de conceito e relação da língua L quando usados para discutir tópicos no domínio D. Uma lógica não interpretada é ontologicamente neutra: Não impõe nenhuma restrição ao assunto ou à maneira em que o assunto é caracterizado. Por si só, a lógica não diz nada sobre qualquer coisa, mas a combinação da lógica com uma ontologia fornece uma língua que pode expressar relacionamentos sobre as entidades no domínio de interesse (Sowa, 1999, p. 12 – http://www.jfsowa.com/ontology/ontoshar.htm)
Resumindo: eu ia estudar o “domínio” Dilma Rousseff. Próximo passo: como fazer isso? Na teoria era fácil, mas na prática o buraco era mais embaixo. Eu precisava dimensionar o tamanho do meu trabalho. Dependendo desse volume de trabalho eu poderia pedir um estagiário. Um profissional de Ciência da Computação se encaixaria bem no perfil que eu estava pensando.
Essas leituras levaram o dia todo, e ainda faltavam Taxonomia e Indexação pra estudar. Faltando cerca de uma hora para acabar meu horário, que era de 6 horas por dia, eu liguei para o Cláudio. Queria saber com ele se era possível contratar uma pessoa de Ciência da Computação para me ajudar na missão que a Dilma havia me passado. A resposta dele foi simples e direta:
– Faça o que for preciso!
– Beleza, vou começar as entrevistas amanhã mesmo.
– Procure o recursos humanos da Presidência, fale com a Adelaide, ela vai te ajudar no processo.
– Ok, obrigado, Cláudio.
Com o tempo fui descobrindo que minha jornada de trabalho diária seria muito mais do que 6 horas. Como era um trabalho novo pra mim, sabia que ia ter q estudar muito para fazer um bom trabalho. Senti-me motivado pelo desafio e resolvi encarar da melhor forma possível. Eu estava determinado a impressionar a presidente.
Saindo do Palácio do Alvorada, Fernanda me liga:
– E ai? Vamos lá na livraria do seu amigo?
– Oi Fernanda! Estou acabando de sair do Palácio.
– Como foi o primeiro dia de trabalho?
– Ótimo, estou cheio de ideias! Queria conversar com você sobre elas.
– Claro, hoje estou tranquila de serviço. Quando você pode?
– Vamos no encontrar na minha casa, é bom que você conhece! Estou indo pra lá agora.
– Combinado, nos encontramos lá.