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janeiro 18, 2017

[ENTREVISTA] Bibliotecária Roseli Pedroso

Entrevista enriquecedora, falamos sobre grade curricular do curso de Biblioteconomia, projetos e biblioteca escolar. Dificuldades enfrentadas por bibliotecári@s no sistema educacional e muito mais e como ser um profissional melhor, em constante evolução. Aproveitem!

1. Conte um pouco sobre o por quê da sua escolha em fazer Biblioteconomia? Onde você cursou? O que achou do curso a época?

A Biblioteconomia para mim, assim como acontece com a maioria, não foi minha primeira opção. Aliás, demorou para despertar essa vontade. Iniciei minha vida acadêmica em Letras. Pensei: gosto de ler e escrever então… Foi um desastre! Odiava as aulas e a turma. Vivia mais enturmada com o pessoal de Arquitetura do que de Letras. Parei, prestei vestibular para Arquitetura e entrei. Gostava muito e, se não fosse as matérias de exatas (odeio!) e a falta de grana pra custear a faculdade, teria me formado. Adoro projetar, adoro desenvolver mentalmente os espaços. Tanto que após sair da faculdade (2 anos), fiz um curso de Design de Interiores. Cheguei a fazer estágio na área e constatei que odiava o contato com clientes (chatos!) além da exploração dos arquitetos em cima dos estagiários. Parei, voltei a trabalhar no comércio e então veio o convite para trabalhar em uma biblioteca escolar. Como pretendia voltar ao curso de Arquitetura, topei na hora sem nem ao menos saber o que se fazia numa biblioteca. A paixão pela área foi bem aos poucos. Primeiro interesse em fazer faculdade de Biblioteconomia foi pela necessidade de conhecer melhor as tarefas para um desempenho mais positivo. Iniciei a faculdade em 1995 e de lá pra cá, não quis saber de outra coisa. Nem de sair da área educacional. Já recebi convites para atuar na área jurídica, em universidades mas gosto mesmo é do cotidiano escolar. Conviver com crianças e adolescentes me dá um prazer e uma energia que me revigora diariamente.

O único ‘porém’ é não ter a liberdade de desenvolver projetos independentes da área docente que decide o que o aluno faz ou não. Acredito que a biblioteca e a equipe que atua nela, tem capacidade e conhecimento suficiente para realizar atividades que contribuam para a formação dos jovens. Ah sim, fiz Biblioteconomia na Fundação Escola de Sociologia de São Paulo (FESPSP) de 1995-1998 e pós-graduação em Gestão de Serviços em Informação. Ao término do curso, conclui que a grade curricular necessita urgentemente de uma atualização. Muitas das matérias já não condiziam com a realidade que eu enfrentava no trabalho. Passou por algumas mudanças mas ainda hoje, precisa de uma reformulação.

2. Você mencionou que não tem muita liberdade para desenvolver projetos independentes. Como você lida com isso? Já apresentou e foi recusado? Que tipo de atividades você realiza para manter o interesse das crianças e adolescentes pela biblioteca?

Não é fácil. Saí da faculdade cheia de ideias para executar e de repente, a gente se vê presa a um sistema educacional que engessa o profissional seja ele de que área for. Isso não é um problema somente do colégio onde atuo mas da educação brasileira, da cultura que herdamos onde se faz uma separação: professores de um lado, demais funcionários do outro. Considero-me uma educadora informacional, minha função não é apenas catalogar e indexar material na biblioteca. Fui preparada para atuar junto dos alunos orientando em pesquisas, leitura e somos inclusive, psicólogos, uma vez que muitos alunos nos procuram para se desabafar e se aconselhar. É uma responsabilidade imensa. E encaro numa boa essa interatividade. Desde que me formei, tentei várias vezes levar algumas ideias e sempre fui barrada. Até que chegou um momento em que pensei: ou me contento em fazer o que me dão e vou fazendo outras coisas por fora ou saio daqui e vou em busca de algo melhor. No entanto, adoro trabalhar aqui. Decidi ficar e desenvolver projetos por fora. Como resultado disso, virei escritora e tenho colhido aos poucos os frutos dessa minha empreitada. Aqui na biblioteca faço uma campanha boca a boca ou, de aluno em aluno. Troco “figurinhas” com os alunos que curtem uma boa leitura e, sabendo de antemão sobre os gostos literários de cada um, busco livros que tenham a ver com eles. É uma boa troca e ainda por cima, ganho admiradores e alguns amigos para uma vida. Tenho hoje, antigos alunos que se formaram, saíram do colégio e hoje, adultos e atuantes no mercado, tornaram-se meus amigos queridos.

3. Sobre quais temas você escreve? Como você se organiza para resolver as tarefas do dia a dia e ainda arrumar tempo para tocar seus projetos paralelos, como escrever livros?

Escrevo de tudo um pouco. Quando fiz o curso de criação literária passei por todos os gêneros. Até poesia onde me considero péssima, arrisquei. Meu forte por enquanto são as crônicas, que adoro escrever, e contos. Iniciei um romance policial mas por hora se encontra parado pois preciso de mais fôlego e tempo para escrever. E claro, disciplina. Sou muito indisciplinada. Para contrabalançar esse meu lado indisciplinado, escolhi todos os finais de tarde onde fico sozinha na biblioteca para escrever. Tornou-se um hábito que só deixo de lado quando atendo alguém por aqui. Bom, minhas tarefas na biblioteca inicio pela manhã lendo os e-mails, respondendo, depois troco ideias com minha chefe, ela me passa os livros novos que estão entrando no acervo, faço o registro de todos eles no sistema Pergamum, imprimo as etiquetas, faço de imediato os boletins com os novos títulos que encaminho via e-mail para todos os professores. Quando necessário, vou para o balcão para dar uma força nos empréstimos. Atendo professores para auxiliá-los nas pesquisas ou nos trabalhos que muitos realizam pois ainda estão na faculdade ou fazendo pós-graduação. Enfim, estou aqui pro que der e vier. Quem trabalha em biblioteca escolar sabe que se faz de tudo um pouco. Voltando um pouco ao assunto da minha escrita, não sei ainda em que categoria colocá-la. Gosto de escrever sobre a vida, infância, relacionamentos e o dia a dia. Participo de um selo de livros artesanais e lançei um livro de crônicas intitulado Receituário de uma espectadora no final do ano passado.

4. Mudando um pouco de assunto agora. Queria saber o que você pensa sobre essa nova tendência de bibliotecas virtuais e com isso novos tipos de trabalho para os bibliotecários surgiram, como produção de conteúdo, marketing digital e análise de redes sociais.

Não sou contra a tecnologia em absoluto. No entanto, observo que as pessoas movidas e entusiasmadas com as novas tecnologias, andam atropelando muitas coisas importantes. Exemplo: aqui mesmo onde trabalho, investiu-se muito no espaço que, aliás, ficou lindo! Temos um acervo rico e atualizado. E para que? Para enfeitar as estantes e fazer bonito para visitantes? Acho que a biblioteca é muito mais que isso. Contudo, tenho plena consciência que as bibliotecas devem acompanhar as mudanças e adotar tecnologias. Gosto da vida digital, sou curiosa, gosto de aprender coisas novas mas observo que a nossa área ainda se mantém resistente a se instrumentalizar. Não generalizo porque tenho visto uma leva de profissionais jovens que estão antenados com tudo e com muito gás para aplicar mudanças. Torço para que consigam algumas vitórias. A biblioteca tradicional está com seus dias contados. Não só aqui no Brasil, que já são bem poucas mas, no mundo inteiro. Tanto que lá fora, as bibliotecas públicas estão oferecendo outros produtos além de livros para conquistar usuários e comunidade em que estão inseridas.

No nosso caso, o Brasil, muitas mudanças precisam ser feitas. A começar pela mentalidade da sociedade. Sem essas mudanças de pensamentos, nada muda. Nem as Bibliotecas, nem a Educação. Ambas estão atreladas e não se modificam porque estão engessadas numa forma de pensamento antiga e inadequada para os dias atuais. Hoje, o bibliotecário tem uma cartela de opções para atuar muito mais diversificada do que quando me formei. Acho bem legal que o bibliotecário se volte constantemente para seu aperfeiçoamento e crescimento em várias áreas que não a de biblioteca. Ler bastante, se interessar por assuntos fora do seu meio, buscar trocas de experiências, tudo isso faz do bibliotecário, um profissional brilhante. Sempre ouvi dos colegas muita reclamação sobre salários e reconhecimento. Concordo até certo ponto. Vem a minha mente a eterna pergunta: O que você faz para ser um profissional melhor? Qual seu grau de esforço para sair da comodidade e mergulhar em conhecimentos e aperfeiçoamento que irá te capacitar para ser visto como alguém imprescindível e necessário no mercado? Talvez não seja a melhor pessoa para levantar tais questionamentos afinal, só nesse emprego já me encontro há 23 anos. Muitos podem me achar uma acomodada por não ter me arriscado em coisas diferentes. Mas nesses 23 anos, fiz muitos cursos de aperfeiçoamento, li muito e diversifiquei minhas leituras, fui a muitos congressos e seminários, investi dinheiro próprio para participar de um congresso no exterior, enfim, apesar de estar há tanto tempo no mesmo emprego, não fiquei parada. Esse é o ponto na minha opinião. Investir sempre em você mesmo. Minha mensagem para os novos profissionais de bibliotecas: invistam na sua formação, arregaçar as mangas e aprender sempre!

5. “Lá fora, as bibliotecas públicas estão oferecendo outros produtos além de livros para conquistar usuários e comunidade em que estão inseridas.” Uma dessas mudanças de paradigma são os espaços maker ou “maker spaces”, aqui onde trabalho faço exposições de arte e estou com um projeto para o ano que vem de fazer um encontro de “biblioteca humana”, a ideia é colocar pessoas mais idosas para conversar com pessoas mais novas e promover essa troca de experiências. O que você pensa dessas ideias que, de certa forma, mudam o foco do acervo para o “fazer” ou para o aspecto mais humano?

Tenho acompanhado essas mudanças aí fora e gosto muito disso. A biblioteca precisa ser mais maleável às mudanças. Ao meu ver, ela precisa estar atenta as mudanças na comunidade e conversar com ela sobre isso. Outro ponto: ouvir o que essa comunidade carece e tentar na medida do possível, atender. Mesmo que isso seja “fora” do contexto biblioteconômico. Acho o máximo essa ideia de trazer os idosos para contar histórias de vivências e outras de ficção que ouviam quando mais jovens. Essa troca é muito salutar. Tenho planos de em breve desenvolver projetos nessa linha por aqui. Não na biblioteca onde trabalho mas, em centros culturais e saraus que tem pipocado aqui na cidade.

6. Dentro desse mesmo tema. Está claro que a biblioteca tem um papel social perante a sociedade. Como você vê a biblioteca escolar neste mesmo contexto? Que tipos de práticas as bibliotecas escolares poderiam implantar para melhorar a vida dos envolvidos (crianças, adolescentes, pais, professores, etc.)? Tenho visto muito ‘hora do conto’ e outros projetos parecidos de incentivo a leitura, mas sinto que poderíamos fazer mais do que isso.

Sim. Hora do conto é fundamental para aqueles que estão se iniciando na alfabetização. Super válido. Só que a biblioteca não pode ser somente isso. Sei lá, talvez eu esteja sonhando demais. Incentivo de leitura do jeito que é feito, é reinventar a roda e continuar a andar a pé. Entende? Não se pode incentivar a leitura e depois largar pelo caminho quando os alunos passam para o Ensino Fundamental II e Ensino Médio. É claro que não se pode adotar as mesmas medidas de quando se é pequenino. Mas o universo dos livros é tão vasto que se poderia trabalhar de acordo com a realidade dos jovens. Outra atividade que se poderia desenvolver é com os pais. Debates sobre temas que diz respeito aos filhos, educação, criação, drogas e sexualidade, por exemplo. São temas difíceis mas que não podemos deixar de trabalhar se queremos de fato formar bem o futuro adulto. Penso muito nas inúmeras possibilidades que uma biblioteca escolar pode e deve desenvolver. Contudo, nossa realidade é – como já disse anteriormente, engessada. Não temos abertura para mostrar do quanto somos capaz. Tudo é papel do pedagogo. No que concordo até certo ponto, mas creio que poderíamos caminhar juntos traçando projetos voltados para a formação dos alunos. Quem sabe um dia né?

7. Essa falta de abertura para mostrar tudo que somos capazes parece ser bem comum. Sinto que as vezes desanimamos de tanto tentar e receber respostas negativas. Acho que isso tem a ver com nossa cultura, poucas pessoa valorizam o nosso trabalho não é mesmo? O que você acha que podemos fazer para melhorar a visão da sociedade sobre nós? Se é que você acha isso possível.

Essa questão é bem polêmica. Já ouvia esses questionamentos desde o início da faculdade. Não tenho respostas para isso. Só divagações. Enquanto a sociedade não mudar seu modo de pensar, amadurecer, acredito que nada vai mudar efetivamente. E essa mudança começa na forma de pensar de cada pessoa que decide ingressar em nossa área. Olha-se para a profissão com certo descaso, certo desprezo. Assim como olham para demais áreas de humanas incluindo a pedagogia. Observo que muitos, não generalizando, estão bibliotecários. Não são bibliotecários na sua essência. Entraram na faculdade por não terem ou, não enxergarem opção melhor ou por não se acharem aptos para algo maior. Simplesmente ficam-se bibliotecários e assim vão levando suas vidas de forma pequena, aceitando migalhas e não trabalhando sua autoestima profissional. Observo que muitos têm vergonha de se dizerem bibliotecários. Oras! Se não está feliz, tenha a coragem e dignidade de sair da zona de conforto e tentar algo que ache melhor. Todos temos potencial. Particularmente, escolhi essa profissão pois a descobri no dia a dia e vi que ela é de uma importância vital para qualquer área. No caso, a educação que escolhi, apesar das constantes decepções, não abro mão. A cada aluno que ajudo a ser um leitor competente, a cada aluno que se forma e vem se despedir de mim agradecendo todo apoio e orientação que dei nos anos escolares,  é um ganho que nenhuma moeda poderá me ofertar. Sinto que cumpri com minha missão mesmo que ela se mantenha invisível perante as demais pessoas. Talvez, só talvez Filipe, as novas gerações de bibliotecários devam apostar numa atitude e postura mais agressiva (na melhor definição da palavra) e mostrar para a sociedade que são capazes e fundamentais em todo setor.

8. Tirando o processamento técnico e outras atividades dessa natureza, o trabalho do bibliotecário é difícil de medir. Por exemplo, como o nosso serviço de referência mudou a vida de um usuário/cliente? Por mais que tenhamos feedbacks, não tem como a gente colocar isso em uma planilha, fazer um gráfico e mostrar para o nosso gestor. Diante dessa situação, como é sua relação com seu chefe no que diz respeito a apresentação de resultados, até mesmo para justificar recursos para a biblioteca?

Como trabalhamos de forma muito próxima, minha chefe sabe o quanto e o que faço afinal, ela exerceu a mesma função antes de se tornar chefe. Minha relação com ela é bem aberta e conversamos sobre as necessidades da biblioteca. Quanto a aquisição de livros, todo mês faço uma lista baseada em requisição de professores e demais funcionários que sugerem compra de livros. Acrescento minhas pesquisas e uno às que ela também pesquisa pela internet. Trabalhamos em equipe. Após ela avaliar, sempre compra o que é prioritário e os demais vai comprando aos poucos. No final das contas, praticamente tudo o que peço na lista chega ao acervo da biblioteca.

9. Qual é a sua visão sobre o futuro da nossa profissão? O mercado de trabalho mudou, a graduação não é mais suficiente para conseguirmos um bom salário e condições dignas de trabalho. Capacitação, seja mestrado, doutorado ou especialização em um tema específico é fundamental. Você fez alguma pós-graduação? Em que área? Foi útil pra você?

Posso estar enganada mas, a nossa profissão como ela foi até agora, para mim está com os dias contados. Já está havendo uma transformação do perfil e das bibliotecas. Gradual, bem sutil mas está acontecendo. É fato que não dá para fingir que não está acontecendo. Sem dúvida o mercado muda a cada piscada de olho. Sou pós-graduada em Gestão de Serviços de Informação pela FESPSP (onde fiz meu bacharelado) além de inúmeros cursos livres de especialização na área. O que digo é que não foi de todo perdido. Consigo empregar algumas das coisas que aprendi na pós-graduação. No entanto, a maioria do que assimilei lá, não pude por em prática aqui. Mas será útil se um dia mudar de emprego. Aprendizado nunca é perdido. Ainda tenho vontade de fazer outra pós em Gestão de Biblioteca Escolar e ‘Contação de Histórias’.

10. Pra terminar gostaria que você mandasse uma mensagem para todos os bibliotecári@s do Brasil.

Dediquem-se com amor e fervor à profissão que escolheram. Usem sua criatividade e ousem. Apostem na formação continuada e não se sintam menos que os demais profissionais. Vocês têm seu valor. De resto, é continuar a trabalhar e deixar sua marca. Sucesso à todos!